onde estão as subculturas quando o TikTok é o epicentro de tudo?
Talvez a subversão precise começar pelo nosso olhar sobre elas.
Por que não abrir a discussão com uma questão tão complexa (e maravilhosa, diga-se de passagem) quanto a temática dessa newsletter: as subculturas ainda existem?
Uma coisa é certa: o feed tornou a subcultura mais entremeada na hipermercantilização de tudo. Aqueles movimentos subculturais com propósitos representativos mais perenes estão, agora, sendo transformados em algo rentável, justamente o oposto da tal subversão contra o sistema, como acontecia antigamente. Com a abundância de informações disponíveis e fáceis de serem prontamente descartadas na economia das redes, ao passo que ter voz online também se mostrou algo onipresente, podemos entender que as subculturas / contraculturas no status quo estão caminhando para uma nova direção.
Em um contexto em que tudo é nicho e comunidade - e as configurações digitais são permeadas por uma lógica de bolha algorítmica - ainda tem espaço para falarmos de uma dinâmica que instiga a oposição?
Por definição do dicionário, a contracultura ou subcultura refletem as formas pelas quais grupos sociais podem se diferenciar e reagir às normas culturais estabelecidas e reestruturar o sistema com base em novos desejos. Ao longo do tempo, variadas subculturas emergiram, como The Bloomsbury Group na década de 1910, a geração beat nos anos 50, os punks nos anos 70, os góticos nos anos 80 — cada um respondendo aos anseios culturais de sua época.
Porém, foi a década de 60 que atingiu um marco na contracultura devido aos atravessamentos dos meios de tecnologia, onde a cultura jovem passou a ser vista como interessante para o mercado consumidor atráves da televisão. Até as plataformas sociais e o atual clima cultural inflacionarem ainda mais essa mentalidade e transformarem a maneira como as subculturas existem. Entre tantos fatores como crise climática e de saúde mental, recessões, hiperindividualismo, consumismo, estamos ouvindo cada vez mais se falar em permacrise (que diferente da policrise, contextualiza um cenário em que as crises passarão a ser mais complexas, sem perspectiva de resolução). Nesse contexto, o teórico cultural italiano, Franco “Bifo” Berardi, introduz o termo semioinflação, que acontece quando você precisa de mais signos, palavras e informações para obter menos sentido. Esse fenômeno pode ficar mais fácil de entender se pensarmos na inflação, isto é, quando precisamos de mais dinheiro para comprar menos coisas.
para ler e se aprofundar mais no conceito de semioinflação: Asfixia de Franco Berardi
Esse fenômeno de esgotamento de signos e imagens faz com que as pessoas (os jovens, em especial) busquem por outras formas de dar sentido ao seu pertencimento, mais descentralizadas, mas também mais voláteis. Agora, com o TikTok no epicentro da cultura, a contracultura parece se manifestar também como parte da lógica viral. É tudo aquilo que gera clicks, likes, shares. Por isso, ela acaba sendo assimilada por essa cultura dominante como parte do consumo mainstream (e é isso que nos faz ficar tão reflexivos sobre a existência ou não das subculturas hoje). Através das dinâmicas das redes, as subculturas são absorvidas pelo sentido lucrativo, com cada vez mais imagens e signos circulando para vender e alimentar a capitalização.
Existe um grande desafio em definir subculturas na era digital, indo além da simples nostalgia para compreender qual é a nova face das margens da cultura jovem.
A verdadeira contracultura é difícil de ser vista e ainda mais difícil de ser encontrada, mas isso não significa que ela não exista,
como disse Caroline Busta em seu artigo para a Document Journal.
Uma das principais latências para o agora é justamente a hipermercantilização da vida. Embora a cultura do consumidor tenha surgido pela primeira vez no século XX, ela chegou em um nível completamente impactante desde o advento das mídias sociais e a ascensão do marketing de influência, mas principalmente o modo como o TikTok tem forçado novas configurações comportamentais do que antes era familiar. Agora, mais do que nunca, os jovens estão tendo mais oportunidade para acessar diferentes formas de ser, em uma fluidez característica da Gen Z, ao mesmo tempo em que existe o FOLO (fear of logging off e o medo de perder a participação nas tendências virais da plataforma).
Se por um lado temos hoje, teoricamente, acesso a tudo - vivendo o cutecore na segunda e o indie sleaze na sexta - por outro, temos a sensação de desterramento digital. Como fica o sentimento de pertencimento a algo quando é tudo tão volátil?
Em um artigo publicado pela Dazed, vem à tona uma discussão em torno da FOMO ser uma tendência definitiva de beleza. Na busca quase cega em aderir a cada tendência, os jovens nos mostram que essa compulsão pelos trending topics diz muito mais sobre a epidemia da solidão e o desejo moderno de pertencimento, conexão humana e comunidade. “Se alguém é aceito na cultura das tendências, aumenta suas oportunidades de se conectar com outras pessoas e, portanto, amplia suas interações sociais”, afirma Destyn Jones, estagiário de psicologia na Universidade de Ohio. Esse anseio por validação por terceiros se comporta como um grande sintoma da epidemia de solidão, que vem sendo cada vez mais favorecida pelas mídias sociais (por mais contraditório que isso possa parecer). Segundo o pesquisador e psicanalista, Lucas Liedke, não nos colocamos nas mídias sociais como comunidade, mas como competidores pela atenção do outro.
Isso é importante para entendermos os novos significados que as subculturas estão transmitindo com as flutuações dos tempos modernos. Elas estão mais voláteis, flexíveis, fáceis de serem penetradas (e muito sucetíveis a logo migrarem para outro movimento subcultural). A sensação é que, hoje, diferente de décadas que antecederam essa revolução digital, participar de uma subcultura exige menos “trabalho” no sentido de ir atrás de mentores, de interagir com as pessoas desses grupos IRL, de acessar os códigos simbólicos e materiais que representam essas subculturas (como a saga de outros tempos de conseguir adquirir aquele vinil pra ouvir no som máximo dentro do quarto), além de todo o processo da incerteza de ser aceito e legitimado pelo grupo ou não. Por mais que não aconteça exatamente ainda dessa maneira, há uma nova contracultura se formando nos recônditos da internet, onde formatos únicos estão sendo reconstruídos.
“Para ser realmente contracultural em um tempo de hegemonia tecnológica, é preciso, acima de tudo, trair a plataforma”.
Essa quote de uma matéria da Document ilustra como essa grande oferta de informação e a fadiga intrínseca têm feito as gerações mais novas buscarem e criarem outros referenciais, menos esgotados, cada vez mais nichados, ramificados e complexos. Esse novo grupo não deseja a visibilidade em primeiro lugar. Como a matéria sugere, não há mais emoção em usar um moicano e passear pelas lojas nas ruas de grandes cidades. Apesar disso, existe muita vontade de emancipação em relação à economia da atenção, à semioinflação e à comunicação convencional.
A região conhecida como Dark Forest da web está se tornando cada vez mais relevante como um espaço de comunicação online para usuários dos mais diversos perfis. Em parte, isso está acontecendo porque, nesse ambiente, existe menor pressão social do que na zona clearnet (nossa internet de cada dia, onde compartilhamos foto de cachorro e damos like nos posts geniais da Ssense), onde se está mais exposto. Essa parte da web agora inclui servidores no Discord, newsletters pagas (Substack, por exemplo), mensagens em grupo criptografadas (via Telegram), comunidades de jogos, podcasts e outros fóruns de mensagens fora da clearnet.
Conectadas por um interesse, ideologia ou sistema de valores compartilhado, comunidades de nicho se reúnem na Dark Forest e é nela que as identidades coletivas são criadas e mundos são construídos.
No mesmo sentido, vimos despontar a face da desinfluência por todos os lados da cultura digital, em uma grande mudança de paradigma do brand-safe. Como um antídoto para a prática de consumo excessivo, milhares de vídeos no TikTok (sim, a mesma plataforma que dita microtendências super efêmeras) feito por creators tinham um único objetivo: influenciar o público a não comprar. A creator @sadgrlswag ajudou a tornar o movimento viral em janeiro de 2023, postando um vídeo no qual ela criticava uma longa lista de acessórios, dispositivos e até livros da moda. “Estou aqui para desinfluenciar você. Não compre os minis Ugg. Não compre o Dyson Airwrap. Não pegue a varinha Charlotte Tilbury”, ela insistiu. “Não pegue a taça Stanley. Não compre os livros de Colleen Hoover. Não compre o AirPods Pro Max.”
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Sempre teremos uma tentativa de contracultura. Não existe ninguém satisfeito com o status quo, sobretudo os jovens.
Hoje, a cultura jovem, principalmente, é muito sobre autoexpressão, indo na contramão da norma. É mais fluida e dinâmica, procurando pertencer aos seus próprios movimentos. Porque a subversão sempre vai estar no inconsciente coletivo jovem, porém se manifestando de maneiras diferentes e em contextos distintos. Isso significa que constantemente surgirão esforços para desafiar a cultura predominante, resultando em movimentos que vão ganhando uma popularidade para fora do mainstream.
Então, sim, as subculturas continuam vivas e relevantes, mas se transformaram. E sim, é paradoxal porque, ao mesmo tempo em que amplificam e nos entregam uma profusão absurda de possibilidades de ser e pertencer, as comunidades online (especialmente as do TikTok) achatam e esvaziam determinadas interações, fazendo com que haja uma sensibilidade menor para entender um contexto mais amplo sobre o que está se defendendo e participando. Sem falar no sentimento de urgência que faz todos ficarem alertas (e um tanto ansiosos) esperando a próxima microtendência de um micronicho que amanhã talvez já não faça tanto sentido assim.
O que podemos prever é que, diante de tantas demandas da vida digital, agora estamos caminhando para a ideia de satisfazer um desejo de efervescência coletiva e de resgatar o fascínio de se reunir em torno de um propósito comum. E é disso que Samutaro — um perfil do Instagram que arquiva e celebra a cultura jovem moderna — se refere quando diz: sempre haverá uma importância para a interação física para que essas subculturas realmente prosperem.
OOO 3 SITUAÇÕES EM QUE MARCAS DE LUXO INCORPORAM A ESSÊNCIA NOSTÁLGICA DA CONTRACULTURA
O Esse desfile da Bottega Veneta que aconteceu em Berghain, em Berlim (o maior símbolo de música e hedonismo que atravessou gerações).
O Esse vídeo dos bastidores da Gucci com o diretor criativo Alessandro Michele que simula a entrada de uma boate e sugere essa passagem para um mundo utópico.
O Esse relançamento da icônica coleção do Marc Jobs: o desfile grunge do Verão 1993 da Perry Ellis.
Desde que você recebeu a nossa última newsletter, nós seguimos online. Esses foram os principais posts da OUT OF OFFICE, caso você tenha perdido:
amei essa edição! tudo isso me faz pensar duas coisas:
1) sabemos que todos jovens vivem uma eterna busca de identidade. mas me preocupa essa volatilidade de identidade com microtendências quase que diárias. hoje sou coquette, amanhã sou 2000s, depois vamos migrar pra era tumblr. como fica a cabeça dessa gente? pertencer a um grupo social e permanecer nele pra explorar sua essência é a base de SER humano.
2) tudo isso me fez entender que contracultura (underground, de verdade) é quem tá fora da internet. offline é chic. offline é punk.