por que estamos amando a linguagem raw?
Talvez tenhamos acordado do surrealismo e de suas composições mirabolantes.
O que Saltburn e a emoção febril em torno dos anos 2010, Margot Robbie em um showroom de cabeças de manequim e Kendall Jenner carregando mantimentos têm em comum?
Vida longa à ironia, ao choque, ao autêntico. A tudo aquilo que coloque em jogo o brilhantismo e o irretocável.
Como já dizia Andy Warhol, se a vida não é editada, por que seu registro deveria ser? Descubra conosco as nuances que envolvem estarmos cada vez mais mergulhados em imagens antes glamourizadas e agora estranhamente normais.
Entre fotos suspeitamente granuladas aparecendo no feed do Instagram e o efeito Saltburn em toda a arena nostálgica da internet, existe um novo driver de comportamento: a cultura da clean girl e sua perfeição excessiva estão com os dias contados. Se as mídias sociais estão nos dizendo alguma coisa agora, é que um portal foi aberto e está nos levando de volta a meados da década de 2010 com o revival do grunge do Tumblr de 2014 e os elementos da messy girl. O renascimento atual desses anos pode ser atribuído ao primeiro post de Addison Rae de 2024, e intensificado pela aura despretensiosa e maximalista de Venetia de Saltburn, personificando a essência da messy girl — desde então, a hashtag #2014Tumblr já obteve mais de 800 milhões de visualizações no TikTok.
Um manifesto à estética que puxa tanto do grunge dos anos 80 quanto dos anos 90, capturando tudo em flash alto espontâneo e provocativo, com a franqueza das imagens de festas em que ninguém posava ou se arrumava para a câmera. O Tumblr, nesse sentido, era onde entrávamos em contato com essa realidade, muitas vezes percebida como mais raw (e barulhenta), conectando jovens que procuravam por algo mais real, mais corajoso, livre da estética influenciada pelas Kardashians, posada, hiper bem cuidada e filtrada.
Embora o ressurgimento dessa linguagem tenha recebido uma maior atenção agora, foi precedido por várias microtendências que adentraram no zeitgeist ao longo do último ano, como, por exemplo, a trend do Twitter em compartilhar sua primeira foto no Instagram e, em paralelo, o movimento “casual Instagram”. Em contraposição ao início da plataforma, onde o uso de filtros era quase uma regra, agora as pessoas preferem se relacionar com pessoas. Fotos com menos ajustes de rosto, mais comuns, que irradiam naturalidade e, claro, autenticidade. Uma fresta se abriu e parece que as configurações que vivemos em 2014 preenchem essa lacuna com representações de momentos passados infinitamente mais autênticos do que hoje, principalmente quando pensamos em celebridades.
Nesse mesmo contexto, há pouco tempo nos deparamos com a edição anual de Best Performances da W Magazine, fotografada pela terceira vez pelo fotógrafo alemão Juergen Teller, com Natalie Portman, Greta Lee e outras celebridades em situações mundandas e cotidianas.
Também com Teller atrás das câmeras, a campanha de primavera 2024 de Marc Jacobs trazia Cindy Sherman, Lil Uzi Vert, Bladee e Lila Moss encostados no poste de luz na rua, em frente aos escritórios de Jacobs no SoHo.
Memes e piadas começaram a circular, expressando a decepção coletiva, a raiva e a pura perplexidade que muitos sentiram com um possível “amadorismo radical” das imagens. “Juergen Teller precisa ser parado porque essas parecem fotos que minha mãe tiraria”, escreveu um perfil do Twitter. Apontando a falta de atenção à iluminação e à gradação de cores na pós-produção ou refletindo sobre as expressões estranhas das celebridades, essas pessoas esqueceram das nuances da linguagem super raw de Teller: uma abordagem criativa que extrapola os limites do valor artístico e da autenticidade. O que essencialmente te afeta? Uma imagem de campanha meticulosamente perfeita e milimetricamente organizada, ou uma em que podemos ver Natalie Portman em uma loja de presentes estilo 25 de março?
As fotografias de Teller são uma grande resposta para uma era de outrora — um mundo que se exigia a perfeição das celebridades, venerando-as em seus vestidos brilhantes e tailcoats. Agora, parece ser muito mais divertido consumir imagens com uma atmosfera anti-celebridade, revelando que os famosos são como nós, em suas manchas, vulnerabilidades e vaidades pessoais. Mas, para além disso, surge o desafio de um momento ultratecnológico em que nos encontramos, no qual temos disponíveis todas as ferramentas para criar imagens “perfeitas” — Photoshop, Facetune, filtros, etc — então quando alguém escolhe fazer aquilo que flerta com a imperfeição, permite uma oportunidade real de questionar sobre a intencionalidade das coisas. De como estamos precisando de mais personalidade em meio à representações tão óbvias e repetitivas. O real tem sido mais e mais almejado, longe do brilho e do glamour da indústria — especialmente da moda —, levantando um frescor espontâneo que vem se fortalecendo como a linguagem do zeitgeist.
Embora as acrobacias de marketing surrealistas, como as bolsas flutuantes CGI em tamanho real de Jacquemus e gloss gigante vagando pelas ruas da Maybelline, dominaram o ano passado, ultimamente as marcas têm preferido abraçar o cotidiano. Isso caminha em direção, de uma certa forma, ao que falamos na newsletter dos nossos desejos para 2024, sobre a fisicalidade ser cada vez mais buscada e percebida.
“As pessoas querem se relacionar. Temos sonhado demais com outros lugares, outros espaços, outros mundos.”
A quote de Riccardo Zanola, diretor de arte por trás de várias das últimas campanhas da Gucci, reflete exatamente esse anseio por identificação, personalidade e impacto. E como apontou Seth Godin, ser notável é se arriscar. É preciso ter ousadia para encontrar o equilíbrio perfeito entre o desconhecido (o obstáculo) e o encantador (a atração), criando desejo no consumidor e diferenciação para a marca. No entanto, em tempos de excesso e ruína da imagem sublime, uma escolha ousada é basicamente olhar para o cotidiano e todas as suas particularidades comuns.
Para a campanha Pré-Primavera 2024, nomeada “Readymade”, a Bottega Veneta apresenta momentos mundanos na vida dos famosos, como eles indo ao supermercado, a aula de pilates e abastacendo o carro. As imagens parecem mais o trabalho de um paparazzi do que de um fotógrafo de moda – porque são. Encomendadas de veículos como TMZ e People, a estratégia de marca centrou em uma bold choice (e ainda assim, de uma certa forma, simples): adicionar o logo Bottega Veneta e transformar as fotos de paparazzi em uma campanha de moda.
Além da primeira campanha da Louis Vuitton de Pharell com Rihanna carregando uma xícara de café ao lado de sua bolsa Speedy, a Gucci também está adotando uma estratégia de marketing mais identificável. As primeiras campanhas da marca sob o comando do novo diretor criativo, Sabato De Sarno, eleveram o comum ao retratar Kendall Jenner e Bad Bunny de moletoms, tênis e trench no aeroporto. Mesmo que envelopado por esse foco na realidade, ainda assim é uma celebridade, e ainda assim é composto de uma linguagem raw com o toque de alto brilho que lembra a fotografia de moda pop do início dos anos 2000. No entanto, na projeção de estimular o aspiracional, tornando o produto desejável e vivo, contando a sua história em situações real life, existe a identificação. E talvez seja exatamente por todos esses shifts, pelo fato de que é algo que já vimos, e que já estamos acostumados, o encontro com o comum é maravilhoso. É único e nos afeta de uma forma mais orgânica e memorável. Ainda que soe contraditório, nos faz sair do piloto automático e sentir que estamos vivos.
OOO 3 CONTEÚDOS QUE ELEVARAM O BANAL DE UMA FORMA GRANDIOSA
O Esse estudo minucioso da cadeira de plástico branca feito pela revista Whereisthecool?.
O Essa publicação da Misci que investiga a correlação entre sanduicheiras e a bolsa Nine.
O Esse vídeo irônico da Nike sobre a desorganização diária.
Desde que você recebeu a nossa última newsletter, nós seguimos online. Esses foram os principais posts da OUT OF OFFICE, caso você tenha perdido:
muito bom! amo demais o conteúdo <3