a nostalgia está matando a criatividade?
Talvez os números quentes do engajamento estejam nos limitando.
Em 2024, todos dos 15 filmes de maior bilheteria foram sequências, franquias ou remakes. A Avon trouxe de volta o brilho labial moranguinho após 20 anos, resgatando um clássico que marcou os anos 2000. KFC Espanha lançou uma versão repaginada do famoso Tamagotchi, sucesso que marcou a infância de muitos durante os anos 1990 e 2000. A Revista Capricho voltou às bancas depois de uma década apenas online. Após anos de apelos dos consumidores, a Kibon revive a promoção do Palito Premiado.
A nostalgia está em tudo. Os mesmos ganchos. Pense nas gerações mais novas obcecadas por cybershots e personalidades com aura nostálgica (hi, Sabrina Carpenter!). Não porque viveram isso, mas porque querem viver o que imaginam que era essa época. O problema é quando tudo parece girar em torno disso.
O que as instituições criativas têm a ver com essa cultura baseada em reinicialização — ou, poderíamos dizer, orientada somente por algoritmos e KPIs?

Vivemos em um mundo hiperconectado, filtrado e individualizado. Uma geração marcada pelo trauma e pelo excesso de estímulos busca uma válvula de escape. E a solução mais simples, acessível e poderosa que surgiu? A nostalgia.
Mais do que uma lembrança, a nostalgia é um atalho emocional. Um refúgio em meio ao caos da incerteza. No TikTok, esse desejo é evidente: a hashtag #Nostalgia soma 12.2 milhões de visualizações, superando #BeautyTok (6.1M) e #FoodTok (4.1M). O impacto ecoa na música. O maior hit atual, DtMF, de Bad Bunny, é um hino nostálgico sobre saudade, tempo perdido e memórias que só valorizamos quando já viraram passado. O refrão "Eu deveria ter tirado mais fotos", agora viral, encapsula essa ânsia de reviver o que já passou — ou o que nunca foi vivido.
Em tempos de policrise, o passado se torna a grande promessa de conforto e previsibilidade. Mas não só isso. A nostalgia também é uma experiência coletiva. Em um mundo digital fragmentado, reconectar-se a algo maior do que si mesmo é um desejo profundo.
Segundo o Business Insider, quase um terço da Geração Z sente que a tecnologia e as redes sociais amplificaram sua solidão.
O passado — ou a ideia que construímos dele — se torna um ponto de encontro, um elo de pertencimento. Antes, a socialização acontecia de forma espontânea: ver TV em grupo, encontrar amigos sem precisar marcar hora. Talvez por isso, revisitar tempos onde a conexão parecia mais genuína tenha se tornado tão tentador.
A nostalgia da Geração Z tem nome: anemoia – a sensação de saudade por um tempo que nunca se viveu. Não importa se é a genialidade de Bad Bunny em captar o zeitgeist ou apenas um fenômeno digital, mas quando milhões de vozes cantam juntas "Eu deveria ter tirado mais fotos", estamos presenciando algo maior do que uma trend: um sentimento coletivo que atravessa gerações.
E aí entra o papel das marcas. No jogo da atenção, onde capturar emoções intensas e imediatas é a grande moeda, ativar a nostalgia — esse sentimento profundo, acessível e irresistível — é quase um cheat code.
Um passe livre para impactar sem precisar inventar nada novo.
No fim, a Geração Z não está apenas revisitando o passado. Ela está tentando vivê-lo, experimentar se ele realmente vale o hype. E nesse processo, vemos o ressurgimento de movimentos que provam que, na era do digital efêmero, o passado ainda tem muito futuro pela frente.
O digital expandiu tudo. Democratizou, conectou, acelerou. Mas, ao mesmo tempo, pulverizou tanto que parece ter perdido a densidade. O que antes era um espaço de trocas genuínas virou um lugar barulhento e, paradoxalmente, solitário. E, nessa busca por algo que resgate a sensação de pertencimento e pausa, a mídia impressa voltou a brilhar.
Quando a internet dominou, muitos previam o fim das revistas. Algumas sucumbiram, outras perderam o sentido. Mas algumas resistiram e se fortaleceram. Por quê? O que realmente encanta? Se tudo no digital é mediado por algoritmos, o impresso resgata algo cada vez mais valioso: a curadoria humana, pensada, sem mediação artificial.
A mídia significativa não é apenas um desejo da geração Z, mas também uma ferramenta poderosa para as marcas. No processo de busca por pertencimento e nostalgia, a seleção de um editor de moda, por exemplo, ganha uma nova relevância e se torna ainda mais influente. Não é à toa que uma das grandes tendências do mercado de luxo global é a procura por vozes confiáveis e curadas — editores de moda com profundo conhecimento, capazes de inspirar o público. Segundo o relatório Luxury Great Reset for 2025, esses curadores, presentes nas revistas impressas, são os novos guias do desejo e da autenticidade.
E, nesta era da ‘meaningful media’, o olhar curatorial — seja na escolha da capa ou no conteúdo em si — torna-se essencial para dar significado e sucesso às marcas, impulsionando-as ao status desejado. A mídia impressa tem uma capacidade única de registrar o mundo de um jeito que outras mídias não conseguem. É uma forma mais densa e profunda de documentar comportamentos, linguagens e códigos de um tempo, por meio dessa curadoria precisa que só as revistas têm.
O que antes era cotidiano, hoje é luxo. Segurar uma revista, sentir o papel, ouvir as páginas virando – antes banal, agora profundo. Em um mundo imaterial, possuir o físico é resistência. Mas por que não uma curadoria no digital? É possível ter uma curadoria incrível online, e de fato, há belíssimos exemplos disso. No entanto, a revista física carrega um apelo nostálgico e, mais do que isso, se torna uma forma de autoexpressão.
E é exatamente isso. Ter uma revista física não significa apenas consumir sua curadoria, mas criar a sua própria (identidade). Escolhê-las, exibi-las e até compartilhá-las diz algo sobre quem você é. É um gesto de significado pessoal. Por isso, especialmente as revistas de moda continuaram crescendo e aumentando seu valor — ainda mais agora, nesse revival.
Editoriais que vão além da tendência, com matérias que resistem ao tempo. A relação com a beleza e a inspiração, longe de ser descartável, se mantém forte. As capas, que antes brigavam por atenção nas bancas, são verdadeiras obras de arte, com o impacto visual superando a urgência da informação. É estética e status.
As revistas, com seu apelo nostálgico de um mundo onde as conexões eram mais genuínas, acabam preenchendo um vazio que contraria a própria ideia de nostalgia. Porque não queremos apenas o passado. Queremos novidade. Impacto. Mas longe da saturação.
O melhor a ser vivido hoje é o novo do passado.
No centro do resgate da mídia impressa, é possível decodificar um sinal: o ressurgimento de meios reflete uma demanda genuína por conteúdos que celebrem uma produção cultural mais significativa e específica. Uma rejeição do achatamento criativo. E, para algumas gerações, o mais longe possível do overwhelming das mídias sociais.
É um prelúdio de algo maior.
Quando falamos de perspectivas inteiramente orientadas por algoritmos de sucesso, o apelo nostálgico se torna irresistível. É muito mais fácil copiar eternamente um formato que já funcionou. Eliminar o atrito, repetir a fórmula, evitar a dor de seguir um novo briefing. A otimização é causa ganha, e se você já ouviu falar de blanding, sabe que isso não é novo no mercado criativo — marcas que parecem inovadoras, seguem os movimentos de mundo, mas se parecem com algo que você já viu antes.
Aquele conteúdo familiar, que ressoa de uma forma que já sabemos, acaba sempre sendo consumido. É o comfy movie que já vimos inúmeras vezes. Mas até que ponto essa falta de fricção e aversão ao risco nos paralisam criativamente? Como audiência, o retorno das revistas sugere um desejo por uma criatividade que prospere de forma mais única e apropriável.
E como criativos? Quantas vezes repetimos o mesmo formato, a mesma mensagem, o mesmo sentimento, simplesmente porque funcionaram antes? E quando o algoritmo decide que não serve mais, migramos para o próximo padrão. No entanto, essa onipresença nostálgica que domina nossos tempos nos leva para uma necessidade urgente de valorizar experiências não convencionais nos ciclos criativos. Impulsionar a cultura com resultados mais diversos, desafiadores e progressivos.
As melhores marcas são aquelas que incorporaram o risco e o inesperado ao seu modo de fazer e existir. Tudo aquilo que soe estranho e caótico à primeira vista.
A nostalgia sempre existiu. Mas, através do impulso criativo pelas subculturas das novas gerações, estamos entendendo que, na verdade, a nostalgia não está matando a criatividade. Está sendo insuficiente. Não se trata de reinventar a roda todos os dias, mas de construir com mais liberdade, menos bloqueios e menos medo de experimentar. Sobretudo, trata-se de arriscar, testar e falhar. O ciclo criativo, em sua forma mais genuína, é assim. Alguém ainda se lembra?
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Que post incrível, namoral. E pra vocês terem uma noção do quão cirúrgicos vcs foram e do quanto a nostalgia está, de fato, contaminando a minha geração (que é a Z), eu mesma postei hoje um artigo da minha newsletter falando sobre o sentimento de Reminiscência e como existem até estudos na neurociência que explicam as possíveis razões de romantizarmos tanto o passado.
Nessa onda, o novo "de verdade", por assim dizer, mais uma vez não é aceito, porque é desconhecido. As pessoas optam pelo confortável, por algo que faz um ode ao que já existe, ao que já veio antes. Falamos tanto das gerações anteriores à nossa, mas esse comportamento é basicamente um "ah, mas na minha época era melhor".
insights muuuuuito poderosos!! é realmente bizarro que uma geração inteira tente reproduzir uma era que não viveram. e muito legal essa relação que vcs propuseram entre o conforto emocional de se apegar ao passado entre a lógica algorítmica que a gente tá inserido. foda!! adorei o texto