O ano é 2025 e parece que nenhuma conversa começa sem listar um cenário catastrófico e bizarro. Se algum dia as gerações mais novas de Millennials e Z desejaram viver um momento histórico, aqui está: um combo assustador de guerras, cenários de sci-fi se materializando, COVID… Um frio na barriga sobe e um riso de nervoso surge: sequer entendemos o que está acontecendo. Com a IA dando passos exponenciais, talvez a última coisa que imaginássemos ao pensar no futuro é que estaríamos ansiando por simplicidade e uma vida menos tecnológica.
Passei a virada do ano fora das redes, o que acabou virando uma ausência de 1 mês. Voltei para a bolha do meu Instagram para descobrir que a minha vivência não tinha sido individual, mas coletiva — parece que ficar offline é a nova it girl do pedaço. Artigos, posts e relatos pessoais, todos eles faziam a mesma pergunta: o offline é o novo luxo?
Na busca por encontrar respostas, uma nova palavra, invariavelmente, aparecia atrelada à discussão: “brain rot”, ou na tradução literal e um pouco nojenta “apodrecimento cerebral”. Escolhida como a Palavra do Ano de 2024 pelo Dicionário de Oxford, ela descreve o suposto deterioramento do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente visto como resultado do consumo excessivo de material — particularmente conteúdo online — considerado trivial ou pouco desafiador.
A palavra "brain rot" é a ponta do iceberg para começar a falar sobre os impactos a médio e longo prazo do que a hiperconectividade tem feito com nós humanos, impactando diretamente nossa saúde mental e capacidade cognitiva.
A questão é que não precisamos de uma palavra para nos dizer o que está acontecendo porque nós já estamos sentindo as consequências de forma intuitiva. Depois de um dia inteiro imersos em telas, com informações jorrando por todos os lados, a sensação não é de preenchimento, mas de esgotamento. Estamos com uma fome insaciável de experiências offline. Insaciável porque a nossa vida urbana-moderna está íntima, profunda e inseparavelmente conectada à tecnologia digital. O celular? O seguramos com as nossas mãos como se a nossa vida dependesse dele. Talvez realmente dependa. Por isso, fica a pergunta: quem realmente pode e consegue se desconectar?
O conceito de luxo sempre esteve associado à exclusividade. É o efeito trickle down, na qual uma tendência (seja ela de qual segmento for) nasce do topo da pirâmide, onde há um acesso restrito, e vai sendo cascateada para a base da pirâmide, onde a massa passa a consumi-la. Quando essa tendência chega à base, ela deixa de ser do interesse do topo. Ou seja, se antes o acesso ilimitado à internet e à informação era um privilégio, hoje a verdadeira exclusividade pode ser o oposto: a escolha de se desconectar. Note: a palavra “escolha” é muito importante e é nela que mora o grande diferencial quando estamos falando de privilégio.
Com negócios inteiros ancorados no digital, vendas escaladas e novas profissões intrinsecamente digitais, poucas são as pessoas que podem dizer que não dependem da tecnologia ou que não se sentem obrigadas a performar online. Vale ressaltar que não estou falando sobre dinheiro. O luxo aqui não está necessariamente atrelado à condição financeira, mas sim ao que está definitivamente escasso: o nosso bem-estar.
Tempo, presença, saúde mental, descanso.
Ao que tudo indica, não estamos encontrando isso nas redes sociais. Na verdade, elas estão nos tirando.
A hiperconectividade transformou o que consideramos valioso.
A pergunta, então, não é se o offline é o novo luxo, mas sobre o que passa a ter mais valor na era da atenção dispersa.
O mercado já começa a responder: vemos a volta do interesse pelas revistas impressas, jovens devorando livros físicos, como mostra a #BookTok, uma das hashtags com maior volume de visualizações no TikTok, e a popularização de jogos de tabuleiros e cartas para incentivar a interação presencial. O impacto vai desde a arquitetura para promover espaços tech-free, passando por tendências de design analógico, até o boom das práticas de bem-estar físico e mental ao ar livre.
Na nossa última newsletter, falamos mais sobre essa aura que se conecta à nostalgia.
Mas, se o potencial desejo do consumidor é sair do ambiente digital, então onde e como eu, enquanto marca, me encontro com ele? O mercado levou anos e anos para se adaptar às campanhas digitais e aprendeu a destinar grande parte de seu investimento de marketing para o online. Eu, particularmente, acredito que o ambiente digital na publicidade é robusto e não vai entrar em declínio — pelo menos por enquanto — mas talvez a gente tenha que aprender a olhar para ele com novos olhos. Como tudo na natureza, vamos nos transformar novamente e atender às necessidades do tempo. Isso é estar em conexão com o pulso da cultura.
O ponto que não podemos perder de vista é que um dos anseios fundamentais do ser humano é a conexão. Por exemplo, marcas que apostaram em construir comunidades de verdade, agora vão surfar com mais leveza na volatilidade dos comportamentos, já que têm uma relação mais profunda e emocional com um público que vai segui-la independentemente do formato ou canal que elas apostem. Há décadas que a publicidade não é mais sobre empurrar um produto para o seu consumidor, mas sobre criar vínculos de pertencimento que despertem emoções: do riso ao choro.
Então, sim, o crescimento da fadiga digital obriga as marcas a repensarem sua dependência do digital. O desafio agora não é apenas capturar atenção online, mas criar momentos de presença genuína e significativa na vida das pessoas. Isso implica em estratégias que transcendam a hiperconectividade e construam valor fora da lógica algorítmica — seja por meio de experiências físicas mais imersivas, branding sensorial ou até um novo minimalismo comunicacional, no qual menos ruído significa mais impacto.
Na minha opinião, o momento é desafiador, mas não por isso: é pela falta de confiança que as redes sociais e a internet (leia-se: big techs) têm causado a nível global.
A imagem é de instabilidade, fake news e bastidores excessivamente masculinizados.
Por isso, resta às marcas fazerem bem feito o que deveria ser a base desde “Marketing 1.0”, do pai do marketing moderno, Philip Kotler: construir uma relação de confiança com o seu consumidor.
“Credibilidade, consistência e conforto”: palavras que a Beatriz Guarezi, da Bits to Brands, apontou como essenciais para responder a esse cenário que estamos traçando. Concordo com ela. Construir conexões reais e significativas nunca deveria sair da vista das marcas, mas durante anos o mercado publicitário ficou refém da métrica da atenção — quantidade acima de qualidade, engajamento acima de relevância.
O digital prometeu eficiência e escala, mas criou um ecossistema onde o excesso de estímulos e a lógica algorítmica muitas vezes esvaziaram o significado da comunicação. Agora, diante da fadiga digital, as marcas não devem exatamente inovar, mas resgatar os princípios essenciais: ser memorável, gerar impacto cultural e oferecer experiências que realmente importam. O luxo é, na verdade, um retorno ao essencial.
Aqui a questão fica mais complexa. A resposta não é palatável e é claro que eu não tenho a solução, mas, para começar, acredito que a chave é encarar essa discussão como um problema coletivo e pararmos de tentar resolvê-lo de forma individual, lutando contra um vício sem termos ferramentas para tal. Ouvi em algum lugar que o nosso corpo analógico está em colapso. As mudanças foram rápidas demais, drásticas demais. Nossa mente ainda nem processou, mas nosso corpo já sentiu.

Fico pensando em como é possível que a gente esteja vendo diante dos nossos olhos um mundo radicalmente tecnológico ganhar forma, ao mesmo tempo em que sentimos coletivamente um anseio tão grande pelo o que é humano?
A inteligência artificial, a automação e os algoritmos estão tornando tudo mais rápido, eficiente e acessível — mas, ao mesmo tempo, estão tornando tudo mais homogêneo, impessoal e volátil. O que vemos agora é um efeito rebote: quanto mais nos cercamos de tecnologia, mais buscamos aquilo que ela não pode replicar — a imperfeição, o toque, a presença, a subjetividade. Esse é o grande paradoxo da era digital: a hiperconexão nos fez perceber o valor da desconexão.
Mas também penso se a interseção desse paradoxo não é a forma mais sustentável de navegar por esses tempos: não como um conflito, mas como um equilíbrio.
A tecnologia avança de forma inevitável, então o pulo do gato pode estar na curadoria da experiência: quando usar a eficiência do digital e quando resgatar o valor do contato humano? Quando apostar na automação e quando valorizar o artesanal?
Talvez o luxo contemporâneo, afinal, não esteja na negação da tecnologia, mas na sua aplicação consciente. Acredito que ainda temos bastante chão pela frente, mas vamos aprendendo.
Porque, no fundo, não estamos diante de uma escolha entre online e offline, inteligência artificial e sensibilidade humana. Estamos diante da necessidade de costurar esses elementos para que um fortaleça o outro, sempre respondendo à pergunta: como queremos existir nesse mundo?
Desde que você recebeu a nossa última newsletter, nós seguimos online. Esses foram os principais posts da OUT OF OFFICE, caso você tenha perdido:
Muito interessante o texto! Essa discussão está cada dia mais saliente, só que ao mesmo tempo que nos instiga nos paralisa. Afinal, é lindo ficar offline e ter mil hobbies, mas estamos tão plugados que é difícil sair 100% das redes sociais de um dia para o outro. Essa semana refleti sobre isso na minha news. Talvez o primeiro passo seja sermos mais proativos em escolher o conteúdo que nos é entregue, fazer uma curadoria do nosso feed, silenciando e desengajando. Se não conseguimos ter o luxo de ficar offline, então que tornemos o online minimamente saudável. Se quiser conferir, falo mais aqui:
https://conversas.substack.com/p/story-silenciado-nao-e-pessoal-e
Gosto muito de pensar que as pessoas estão cada vez mais interessadas em movimento real e coletivo. Afinal, essa é a nossa natureza como seres humanos: os cinco sentidos precisam ser usados, e o digital não permite trabalhar todos eles. No entanto, reconheço a importância de estarmos sempre em adaptação e equilíbrio para o novo.
Muito bom o texto!