tá todo mundo salvando as mesmas referências?
Entre pastas de salvos e fórmulas virais, onde ficou a inspiração de verdade?
Era um daqueles brainstorms em que o Miro já nasce cheio de vídeos do Jacquemus, carrosséis da SSENSE e behind the scenes da Loewe. Nada contra — todo mundo ama o que eles fazem. Mas em algum momento veio o questionamento: estamos realmente em busca de ideias novas ou só tentando replicar aquilo que já deu certo para alguém e se tornou um formato essencialmente viral?
Mudam os produtos, mas o moodboard é sempre o mesmo. Estamos alimentando o mesmo ciclo de conteúdo sobre conteúdo.
Nos últimos tempos, pulamos de obsessões estéticas como quem muda de aba no navegador. Num momento, tudo era sobre bolos, expressos, manteigas e lip balms. Depois, aeroportos, beach clubs e merchs de hotéis. De repente, um único moodboard visual vira a voz de toda uma categoria. E quando todo mundo fala igual, o interesse naturalmente se perde. É divertido quando uma marca faz, mas é exaustivo quando fazem igual.
Talvez estejamos vivendo uma inflação de referências e sentindo os efeitos da cópia. Mas como sair desse loop da repetição de formatos, se o algoritmo vive nos lembrando qual é a fórmula certa para aquele post atingir todos os KPIs de sucesso?
Todo mundo tem uma pasta de salvos. No Instagram, Pinterest, TikTok. Uma campanha da Loewe, um print da SSENSE, um vídeo sobre “a nova era da comunicação”. Referências que a gente guarda esperando o cliente certo, o timing certo.
Mas, se todo mundo está guardando as mesmas coisas, será que isso ainda é uma boa referência?
O que era ponto de partida virou zona de conforto. As pastas viraram museu de tendência vencida. A referência virou padrão. E o padrão, por mais bonito que pareça, não provoca ninguém a fazer diferente. Talvez por isso, quando se tenta parecer ousado, a resposta siga sendo o combo previsível: CGI + surrealismo + logo centralizada em branco. Uma homenagem a algo que Jacquemus já fez e já deixou para trás. O CGI, que um dia encantava, começa a cansar. O impacto ainda vem, mas o efeito surpresa não dura mais de três segundos.




Esse cansaço não é por acaso. Quanto mais interagimos, mais nosso repertório afunila. Entramos num looping de referências recicladas: o que já vimos, o que já vimos demais e o que os outros também já viram. Mérito ou consequência dos algoritmos.
"Algorithms, by merging diverse inputs into a singular model of engagement, end up prioritizing content that performs well with the broadest audience, leading to a ‘regression to the mean’." — Clay Shirky
O diferente vai sendo empurrado para fora. E as contradições, onde moram as verdadeiras tensões culturais, perdem espaço. Tudo vai se tornando mais mediano. Até o que antes era “uau” começa a parecer “méh”. Mas o problema não é só o algoritmo. É o risco de repetir sem pensar. De perder o porquê das coisas. De chamar de inspiração aquilo que já veio pronto para uso. E uma das causas desse comportamento está na confusão, comum e perigosa, entre dois conceitos diferentes: referência e inspiração.
A referência é concreta — um styling, um roteiro, um enquadramento. Organiza, orienta, estrutura. Já a inspiração é difusa. Vem de um incômodo e do imprevisível, de algo fora do lugar, de uma vontade de fazer diferente. E é nesse atrito entre o que guia e o que provoca que nasce o impulso criativo.
Quando tudo o que nos inspira é apenas referência que todo mundo já viu, a criação perde risco. E, com o risco, perde potência.
É fácil perceber de onde vem a referência em quase toda publi e até lembrar qual marca já fez algo parecido antes. Por que isso acontece? Por que tudo tem parecido um default? Porque sabemos que tem chance de dar certo. Ou melhor, porque já deu certo antes com alguém. É a lógica da heurística, uma tentativa de prever o resultado com base no que funcionou no passado. E por que ideias sem referência causam receio? Porque fogem da previsibilidade — e a previsibilidade traz conforto. É reconfortante ter a certeza de que algo vai funcionar porque já deu certo antes. Mas isso não impulsiona inovação.
Criar só a partir do que já existe é renunciar ao que nos torna únicos: sensibilidade, nuance e instinto. É como a intuição, muitas vezes descartada por parecer pouco lógica ou embasada, mas essencial no processo criativo. Sentir que algo faz sentido, ou que vai dar certo, também é parte do trabalho. É o que acende o entusiasmo. O que move. E isso deveria, sim, fazer parte da inspiração. O case da campanha da Maria Bethânia com Sabrina Sato para TRESemmé funcionou porque foi preenchido por essa vontade e intuição de fazer diferente. Porque não veio do automático. Não veio de fórmulas. Veio de dentro. Foi instintivo, verdadeiro, refinado por um processo que levou tempo e inúmeras versões.
Sem processo, não existe desenvolvimento. E sem desenvolvimento, não existe o novo.
A criadora @chckpeass resumiu bem um dilema da geração Z: muita gente quer parecer algo, mas pouca é de verdade. Isso explica a obsessão por copiar formatos virais, esquecendo o próprio branding (quem é) e perdendo a mensagem real.
Com todo respeito à Rihanna, mas o “fake it until you make it” não se aplica aqui. Não basta juntar referências em um moodboard que nem conversam com quem você é. Isso leva tempo. Pede um pouco de reflexão interna, ou, às vezes, nem isso, porque quando é genuíno, simplesmente acontece. É tentador querer encaixar tudo em fórmulas mágicas que prometem entregar exatamente o que se deseja. Mas o problema é que nem sempre o resultado se repete. Muito menos quando a fórmula não nasce de você ou da marca.
Por que Marc Jacobs, Loewe e Jacquemus formam a santíssima trindade do TikTok? Porque dominam a fórmula do viral de hoje — algo caótico, inesperado, com vibe. Mas mais do que isso, cada um traduz esse caos com personalidade. É um branding bem feito: a gente reconhece o estilo, mas nunca sente que está vendo mais do mesmo. É justamente essa personalidade que sustenta a fórmula. Uma “fórmula de sucesso da SSENSE” só funciona porque é da SSENSE. Sem o DNA da marca, ou o tal fator X, ela perde força. Criar algo à la Loewe pode até servir como ponto de partida, mas não pode ser o ponto final. Porque isso nem o algoritmo salva.
Ok, depois de tudo que falamos, fica a dúvida: devemos parar então de ir atrás dessas referências?
A resposta é não.
Coletar não é perder tempo — é treinar sua percepção. Aquilo que você salva no Instagram, no Pinterest, no Are.na ou no Cosmos.so não é um acúmulo aleatório de imagens bonitas. São oportunidades latentes de criação. No report “The Curation Paradox”, há uma citação de Nassim Nicholas Taleb que se encaixa bem aqui: a ideia da “antibiblioteca” — um conjunto de referências que você ainda não leu, mas que existe como um arquivo de possibilidades ainda não decodificadas. Os insights mais potentes não surgem do vazio. Eles nascem quando coisas aparentemente desconexas finalmente se conectam. Às vezes, isso acontece ao revisitar sua pasta de salvos. Outras vezes, enquanto você espera na fila do supermercado.
O professor britânico Charles Watson costuma dizer em seu curso de processo criativo que quando você mistura influências de múltiplos lugares, momentos e contextos, aí sim, estamos falando de pesquisa e não de cópia. Criar, afinal, não é sobre saber tudo desde o início, mas sobre fazer as perguntas certas enquanto você constrói o caminho. E aceitar que errar não é o oposto de acertar, mas parte essencial da descoberta.
"O que eu aprendi, ouvindo gente sábia e exercitando na prática, é que, dentro do processo criativo, a gente precisa encarar o erro como um evento. Acho que um bom exemplo dessa dinâmica é o jazz. O jazzista Thelonious Monk uma vez disse que não existem notas erradas em um piano. Nesse mesmo sentido, em uma ocasião, tocando com Miles Davis, o pianista Herbie Hancock acidentalmente tocou um acorde "errado", que soava completamente fora da harmonia. Miles, ao ouvir esse suposto erro, improvisou imediatamente uma nova frase no trompete que incorporava aquele acorde dissonante, fazendo com que ele soasse intencional. A criatividade, pra mim, é sobre isso: envolvimento constante, presença, sempre jogando iscas pra pescar coisas que não sabemos o que são ainda e que podem parecer desconexas, mas que são, na verdade, acessos e oportunidades pro novo."
Bruna Togni, Creative Coordinator & Trend Researcher na OUT OF OFFICE
Então, sim: até os bad drafts têm um valor. Roma não foi construída em um dia, e a excelência também não. É preciso tempo, paciência e repetição. Por isso, não subestime o valor do cringe. Há algo sublime em se permitir começar mal para chegar bem — como já falamos neste post aqui.
É aí que entra, também, o vício da criação (Bia Borges, co-fundadora e diretora executiva da OOO, sempre nos relembra o valor disso). Uma vontade quase obsessiva de ver um insight crescer, ganhar forma, virar algo — mesmo sem saber exatamente o quê. Porque a verdade é essa: nossa noção de onde vamos chegar é sempre incompleta. Quando abrimos o slide 1, em branco, não fazemos a menor ideia de como vai ser o último. E a beleza do processo criativo está justamente nesse intervalo. É ali, no meio do caminho, que tudo começa a se encaixar: quando uma ideia alimenta a outra, quando combinações improváveis criam sentido, quando a sequência certa constrói emoção. Ir escutando e sentindo nossas referências, escolhas e intuições.
Mais do que seguir fórmulas prontas, ou rejeitar tudo que já foi feito, o que importa é exercitar a escuta. Escutar a si mesmo e escutar a cultura.
Porque marcas que escutam cultura não viralizam por acidente. Elas captam sinais antes que virem tendências. Não se trata de criar o que ninguém nunca fez, mas de perceber o que está prestes a emergir. E isso só acontece depois de muito treino, muitos cringy drafts, e uma curiosidade que não se satisfaz com o que está logo ali: tão perto, tão fácil, tão previsível.
bom texto, a criatividade está além do criativo, é conhecimento, prática e desbravamento
Nossa!!! Vocês fizeram download da minha cabeça, organizaram princípio-meio-e-fim e publicaram LINDAMENTE!! Decoding perfeito!!! Clap clap clap!!!